Ando com essa fábula na mente já há alguns dias. Por algum motivo que já não lembro, ela surgiu e se manteve comigo.
Para essa fábula existem inúmeras versões. A “original” teria sido escrita por um dinamarquês famoso, o escritor de fábulas e poeta Hans Christian Andersen. Sim, “original” já que quando escreveu já era baseada em versões que havia ouvido.
Esta versão foi escrita em 1835, mas acredito que para cada fábula existem tantas versões quantas existem pessoas que as escutam. Claro, trata-se de símbolos, ou modelos, ou arquétipos, tenham o nome que queiramos dar, e o compreender e traduzir símbolos é algo personalíssimo.
Assim sendo, passo a contar a “minha versão original”, aquela que ficou gravada na minha alma e minha compreensão a respeito.
Por que faço isso? Acredito necessário para podermos pensar que a cada estória ouvida, precisamos emprestar nossos ouvidos, nossa paciência, atenção e principalmente nosso respeito à história do narrador. Cada versão nos ensina o momento, o ponto de vista e a fábula do indivíduo – gostemos ou não, é dele, o que ele consegue ver.
Mas, o detalhe mais importante é responder as perguntas: “Por que estou ouvindo isso?”; “Onde me encaixo nessa estória?”; “O que posso aprender com ela?” Não tem mistério, sempre há algo de bom a ganhar quando ouvimos “o outro”.
Assim sendo, tornamo-nos pessoas melhores – ouvir é uma arte. Cada um entende de acordo com suas condições. Desccobrir a sua é privilégio. Então, vamos lá:
“Era uma vez um príncipe que estava em busca de uma princesa real, pois queria do fundo de seu coração, casar-se, mas para isso precisaria ter uma princesa verdadeira.”
Saiu pelo mundo em busca de alguém que pudesse preencher seus requisitos – “uma princesa real”.
Depois de muito procurar, viajando o mundo, voltou para seu palácio completamente desolado. Não havia encontrado ninguém que pudesse ser a “sua princesa”.
Ficou na maior deprê por uns dias, e seus pais, os reis, não sabiam mais o que fazer. Ocorre que a Natureza não é de bobeira e manda tudo o que precisamos, mas para isso precisamos estar atentos aos seus sinais.
Numa noite daquelas bem escuras e esquisitas, estava rolando uma tempestade horrenda, ventava, chovia, nevava e as ruas estavam vazias devido ao perigo que era andar na tempestade. Esse é um momento muito forte, pois nos deparamos com nossas tempestades internas. “Uhm… pega leva aí, vai…! Isso é só uma fábula!”
Noc… noc… noc… alguém bateu à porta do palácio real. O rei estava tão agitado com a tempestade, preocupado com o filho e outras ocupações reais, que ele mesmo foi abrir a porta interna do palácio.
Era uma moça molhada até a alma. Seus cabelos totalmente desalinhados, molhados e escorrendo pelo rosto. Suas roupas grudadas no corpo, os sapatos encharcados. Na verdade, era até impossível saber se era bonita ou feia.
Ela pedia abrigo e afirmava ser uma princesa. Difícil acreditar, já que sua aparência era a de uma sem teto. Aliás, não se usava essa expressão à época, ok, parecia uma pobre moça abandonada à própria sorte…
A rainha tomou a frente da situação e perguntou: –“Então, dizes que és uma princesa.” Pediu que aguardasse ali mesmo e mais não disse.
Quando voltou, levou-a a um aposento onde havia mandado arrumar uma cama com sete colchões e mais sete edredons. Entretanto, embaixo de tudo isso ordenou que fosse colocada uma ervilha.
Todos foram dormir sem maiores explicações. No dia seguinte, ao deparar-se com a mocinha e pergunta:
-“Como passastes a noite?”
A moça fazendo caretas de dor, toda se contorcendo, não fez cerimônia:
-“ah… pessimamente, senhora. Havia algo na cama que não me deixava dormir. Estou com o corpo todo dolorido. Parecia haver uma pedra embaixo dos colchões.”
Neste momento a família real se entreolhou, constatando que esta era realmente uma princesa.
Conta-se, inclusive, que a ervilha poderia ser encontrada em um museu, com a advertência de que poderiam não mais encontrá-la, caso alguém não a tivesse tirado de lá.
Ok. Essa fábula é contada em várias versões, modificando o número de colchões e edredons, dependendo do país onde é contada. Há inúmeras variações, inclusive a de três príncipes, sendo escolhido aquele que apresentou um leve ferimento na pele causado por um fio de cabelo.
Antes que comecem a dizer que trata-se de uma fábula sexista, vou logo avisando que passa longe desses estereótipos. Vamos lá…
Quando um príncipe solitário sai em busca de uma princesa para casar-se, ele está em busca de sua própria anima – ou seja, sua alma, sua sensibilidade, pouco tendo a ver com uma princesa real/objeto de enfeite social. Ele busca crescimento interior, e para isso precisa contactar seus sentimentos.
Quando a rainha resolve colocar 7 colchões e 7 edredons para testá-la, nada tem a ver com a sensibilidade de sua pele, ou fragilidade (diria eu frescura?) da princesinha, e sim sua percepção do sutil.
Tratava-se de descobrir se ela teria capacidade de sentir, de perceber aquilo que se passa literalmente “debaixo dos panos”, qualidade essencial para gerir um reino.
Os sete colchões poderiam muito bem representar os sete chakras, os edredons os sete corpos sutis. Por que isso? Somente passando pela percepção das nossas memórias armazenadas em nossos corpos sutis e sabendo alinhar os sete centros de energia que são os chakras, alguém pode perceber aquilo que está escondido, o problema, a ervilha dura, cristalizada.
Assim, a ervilha seria a cristalização dos preconceitos, dos problemas não resolvidos, tudo aquilo que é traumático e ficou debaixo do tapete. Ah… desculpe, debaixo dos colchões.
Ela era sensível o suficiente para perceber a ervilha, foi corajosa na medida em que bateu à porta do palácio real e afirmar-se princesa, não fez a menor cerimônia diante da família e disse a verdade sem rodeios: -“dormi pessimamente.” Não fingiu.
Ao terminar a fábula deixa-se em aberto a possibilidade de a ervilha não mais estar no museu, já que a essa altura, com o príncipe unindo-se à princesa teria havido a integração das partes. Problema desfeito.
E isso nada tem a ver com completar aquilo que falta no outro, pois somos inteiros, seres em construção, mas inteiros. Fala-se de equilíbrio das polaridades, como yin & yang; quente/frio, masculino/feminino como princípio. Um compartilhar potencialidades, talentos, e por que não dizer, amor?
Casados, ou melhor, integrados em si mesmos como indivíduos, podem construir algo melhor para o reino, que é o cenário em que vivemos, abrangendo os níveis (reinos) físico, mental, emocional e espiritual.
Só assim o equilíbrio, só assim “foram felizes para sempre…” Fazem algo que se imprime na alma humana, deixando uma obra no mundo. E esta obra é apenas conhecer-se, aceitar-se e equilibrar-se como indivíduo. O registro do conhecimento expande e reverbera no espaço, contagiando a todos. “Para sempre… reverbera no Universo, no Infinito que somos nós.
Óleo essencial da princesa: cardamomo
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