Como gosto de estórias mais do que história, ficaremos com a versão mais romântica da vanilla. Hoje é só “estória” mesmo. E como toda estória que se preze, preciso começar assim:
“Era uma vez no Reinado de Totonocopan, na Terra da Lua Resplandescente, onde vivia um povo indígena mexicano, chamado Totonacas,- hoje é o Estado de Vera Cruz – havia um outro reino chamado El Tajin (cidade pré-colombiana), construído por eles, em honra a um deus asteca chamado Hukaran – deus do trovão. E é nesse cenário de floresta tropical, com montanhas verdejantes, vales profundos e serras de um verde incrível é que começa nossa estória.
Tudo começou há muito tempo atrás, no reinado de Tenitzli III. Ele e sua esposa foram abençoados pelos deuses com uma filha de uma beleza tão perfeita, que chegaram a achar que era uma deidade que ali havia nascido. Então, só de pensar que um dia ela pudesse se casar com um mortal qualquer, eles tremiam de aflição. Após muito sofrerem com dúvidas quanto ao que fazer com relação ao destino de sua pequena deusa, acharam por bem dedicarem sua vida à religiosidade. Fizeram isso através da oferta de seu destino em um culto à deusa Tonoacayohua , – da colheita e da prosperidade. Com isso, tornaram-se mais saudáveis e prósperos.
Quanto à menina, Princesa Tzacopontziza – Estrela da Manhã -, teve sua vida devotada ao serviço no templo desta deusa, levando-lhe flores e alimentos diariamente.
Acontece que ninguém foge ao seu destino. A escolha feita quando ela ainda era um bebê, como poderíamos esperar, foi difícil de controlar seus desejos e pensamentos em sua adolescência.
Numa manhã ensolarada, numa das idas e vindas de Estrela da Manhã pela floresta a fim de levar flores ao templo, um também belíssimo rapaz, chamado Jovem Cervo a viu pela primeira vez. Apesar de todos os seus esforços para não olhá-la diretamente, posto que soubesse que isso poderia custar-lhe a vida de forma horrenda, não foi possível evitar. O destino estava traçado. Ele já estava literalmente encantado. Não conseguia mais nem pensar sobre as conseqüências. Sua mente e coração já estavam ocupados demais com a idéia e sentimento de tê-la com esposa.
Assim, passou a se esconder entre os arbustos da floresta aguardando que a Princesa Estrela da Manhã surgisse – mortais aparecem, mas deusas e deuses simplesmente surgem – para colher flores para a Deusa do Templo, até que a oportunidade se fez.
Ao amanhecer de um belo dia – bem, belo é modo de dizer, pois este dia especialmente estava cinza com nuvens pesadas e chovia muito. Ainda assim, a princesa não deixava de sair para cumprir o que achava ser sua tarefa de vida. Ela passou calmamente, como se ao sol estivesse, colhendo suas flores, quando Jovem Cervo surge por detrás de um arbusto, a pega pelos braços e praticamente voa com ela dali por dentro da floresta em direção às montanhas.
Enquanto corria com ela agarrada pelo braço, confessou sua paixão incontrolável e ela por sua vez, apesar do susto que essa atitude causou, imediatamente se apaixonou por ele, cruzando seus destinos para sempre.
Calma gente…! Estão se perguntando o que tudo isso tem a ver com a baunilha? Aguarde um pouquinho, pois já saberão. Posso adiantar que tem tudo a ver.
Assim que eles alcançaram a primeira das montanhas, surge de dentro de uma caverna um monstro horrendo cuspindo fogo. O maldito do monstro devia ser um tremendo mal amado, frustrado e baixo astral, pois não se sensibilizou com os apelos do casal, os obrigando a voltar para a estrada.
Eis que quando alcançam a estrada, seguidos pelo seu algoz fedorento, se deparam com os padres do reino, que bloquearam sua passagem. Antes que fosse possível qualquer argumentação, Jovem Cervo foi derrubado e sua cabeça cortada.
É… se vocês estão tristes ou horrorizados, não tiro sua razão, eu também fiquei assim. Mas, de qualquer forma, tirem as crianças da sala e continuem, pois destino é destino e se não fosse por ele… Bem, vamos voltar ao que interessa:
Não preciso nem dizer que fizeram o mesmo com Estrela da Manhã sem dó nem piedade. O que faz a ignorância de amor! Esses padres viviam o contrário do amor – a ignorância cega.
E não parou por aí. Arrancaram os corações dos dois amantes e levaram para o templo. O amor era tão grande, que chegaram lá ainda batendo. Colocaram os coraçõezinhos sobre uma pedra do altar em oferenda à deusa. Ah… vou escrever com letra minúscula mesmo! Apesar de eu não saber se ela queria aquilo – nem os padres sabiam, é claro. Eu duvido que quisesse. A menina era tão legal com ela, lhe levava flores e alimentos, como ela ia querer isso? Padres do mal!
Só estou enrolando um pouco para vocês se refazerem do susto, pois vem mais por aí: jogaram os corpos dos jovens precipício abaixo. Mas como nada supera o Amor e quem rege o Mundo é Deus, estamos prestes a saber a conseqüência disso.
No exato local onde os corpos caíram, bem pouco tempo depois, como presságio da mudança que estamos prestes a saber. Nasceu ali uma pequena moita, que se espalhou tão rapidamente, que em poucos dias já se podia ver uma vinha maravilhosa verde esmeralda que florescia no local. Seus brotos se entrelaçavam nos troncos e nos galhos de forma delicada, porém segura, realmente parecia que se abraçavam. Os brotos eram suaves e elegantes e a folhagem era forte e sensual.
A florescência foi rápida também. Surgiam orquídeas por toda a vinha e todos que passavam pelo local ficavam fascinados e ao mesmo tempo surpresos, pois as orquídeas se assemelhavam a uma jovem repousando, pensando em seu amado. Conforme as orquídeas morriam, davam lugar às favas fortes e perfumadas, que deixavam quem passasse pelo local inebriado com seu aroma.
Assim, não só os devotos da deusa, bem como os padres (é… aqueles mesmo!) tiveram que se render às evidências de que os jovens amantes continuavam vivos na forma da baunilha, que é como passou a chamar-se aquela floração. De qualquer forma, Estrela da Manhã e Jovem Cervo continuam juntos, dando sementes (seus filhinhos), crescendo e perfumando e, ainda como prova de que a Deusa do Templo não queria sacrifício de ninguém, suas flores ainda são oferecidas à ela como presente sagrado. Pois e, Estrela da Manhã não se zangou. Era este seu destino.
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