I – Uma executiva de “sucesso”
Vou contar pra vcs uma estória real…. Lupy era uma executiva muito organizada, porém, o era por força das circunstâncias, já que precisou se adaptar às exigências do cargo que ocupava.
Quando mais jovem era conhecida por seu espírito livre, pela disposição para aventuras, viagens, shows de música e principalmente pelo seu senso de liberdade.
Sempre acreditou que precisaria trabalhar muito para ter uma situação financeira que a propiciasse uma vida confortável e independente.
Tinha em mente que não deveria contar financeiramente com os pais ou com quem quer que fosse. Acreditava que depender de alguém para algo seria uma prisão, pois teria que dar satisfações àquela pessoa de quem dependeria. Até porque à maioria das pessoas que a perguntavam “por que?” “por que essa direção e não aquela?” Sua resposta era invariavelmente a mesma: “Porque eu quero.” Completava a afirmação com um sorriso amigável.
Ficava pensando qual a razão de as pessoas terem que justificar seus desejos, atos e até pensamentos. Não suportava ter que se justificar. Sabia que as coisas são porque fluem. Se não fluem, “não são – estão”, pois não permanecem, não se sustentam porque não têm o apoio da alma do indivíduo.
Ao contrário, quando paralisam, empedram e precisam ser retiradas do físico, da alma, do espírito.
Assim, foi trabalhar muito jovem tendo em mente que se estudasse e trabalhasse, nada poderia dar errado. Teria seu destino e liberdade nas mãos. O tempo passou e assim ela fez. Formou-se em Economia e logo se viu trabalhando no mercado financeiro. Não demorou muito para que assumisse um cargo de comando. Era responsável pelo fluxo financeiro de uma grande multinacional.
À essa altura já não lembrava mais de seu sonho de viajar, estar cercada de amigos e ir a shows de suas bandas favoritas. Tinha esquecido que as “coisas que precisam ser justificadas não fluem e não permanecem.” Era tão responsável que passava a maior parte do Tempo dizendo que não o tinha. Parecia ser seu mantra pessoal: “não tenho tempo”, repetia.
II – A incompatibilidade entre sonho da alma e sonho do ego
Como tudo que é exagerado acaba por ter consequências na mesma proporção, com Lupy não foi diferente. Um dia estava no meio de uma reunião séria de trabalho quando começou a suar frio, o coração a acelerar, e a sensação de que não havia ar na sala.
Como de costume, ela tentou controlar o ambiente, as emoções e o corpo. Quanto mais tentava, menos conseguia, e quando deu-se conta estava cercada de seus familiares, médicos e enfermeiros chamando seu nome.
Parecia um pesadelo. Ao tomar consciência de si, o mesmo não aconteceu com relação à situação. “O que aconteceu?” perguntava. “Como vim parar aqui?”
A alegria da família durou pouco, pois logo perceberam que ela além de não lembrar o ocorrido, falava de fatos de sua vida que ninguém sabia. E nem poderia saber, já que todos os eventos que narrava localizavam-se em temporalidade diferente da que estavam vivendo. E vez por outra, os eventos de sua narrativa eram de uma época anterior ao seu nascimento.
Falava deles com riqueza de detalhes. Os médicos não tinham explicação, inclusive todos eram unânimes em dizer que ela tinha sido internada apenas por precaução, pois o diagnóstico era de “síndrome do pânico”. Os exames estavam perfeitos.
Nada justificava o fato de ter passado três meses praticamente dormindo. Acordava, trocava algumas poucas palavras, parecia estar sempre em estado letárgico. Voltava a dormir em seguida.
Como nada de grave fora detectado, o documento de alta foi concedido. Seus pais não sabiam se ficavam eufóricos ou preocupados com a notícia.
Uma vez em casa, ela não reconhecia seu quarto, suas roupas, e chamava seus pais carinhosamente por apelidados que estes tinham quando mais jovens e ela não tinha como saber. A família providenciou os melhores psicólogos, psiquiatras e médicos de todas as especialidades, mas nada dava certo.
Um dia sua mãe levantou-se cedo para levar-lhe o café e a quase uma dúzia de comprimidos, e descobriu que a filha nem em casa havia dormido – sua cama estava impecável. Acionaram o pessoal do trabalho acreditando que lá pudesse estar, ligaram para as amigas, e ao final, tiveram que se render. Começaram as buscas em hospitais e delegacias.
Quase seis meses haviam se passado e nada de Lupy…! Seus pais pareciam ter envelhecido uns vinte anos em aparência e vitalidade nesse período. A única coisa que os mantinha de pé era a grande fé de que um dia iriam reencontrá-la.
III – Dona Maristela tem uma visão
Na casa de seus pais o ambiente era de inconformismo, porém ativo. Sua família não era de se entregar. Fizeram de tudo para encontrá-la, isto é, acreditavam estar fazendo, e isto é o suficiente para fazer a roda da vida girar e nos levar onde precisamos. E foi o que aconteceu. Da. Maristela, sua mãe, fazendo compras no supermercado foi abordada por uma senhorinha de idade avançada. Ela perguntou: “No que posso ajudá-la?”
A senhora respondeu: “Ajuda se me ouvir.” Maristela respondeu que não tinha tempo, pois… Não teve tempo de falar mais nada, já que aquela senhorinha frágil à sua frente, transformou-se em uma índia de cabelos trançados no alto da cabeça, de estatura alta, longilínea, e fala mansa. Ela arregalou os olhos e ouviu: “Você vai ouvir e não só com os ouvidos.” “Sua filha está fisicamente muito mais próxima do que você imagina e espiritualmente muito mais longe do que você gostaria.” “Ela está em uma jornada em busca de si mesma e de sua função na Terra. Só voltará assim que encaixar vida com vida, função com função.”
Maristela nem piscava, não conseguia abrir a boca, parecia catatônica, e quem a visse até acharia, não fosse o fato de ver lágrimas pulando de seus olhos vidrados. As pessoas passavam e o que viam era apenas uma mulher sozinha num corredor de supermercado. Entretanto, ninguém, mesmo que quisesse, conseguiria se aproximar. Havia um campo eletromagnético fortíssimo à sua volta. O corredor era apenas dela naquele momento.
E a senhora continuava: “Sabe as dores nas pernas, as cólicas, o excesso de calor, ainda que as pessoas estivessem com frio; o apego às coisas e às pessoas de forma que muitas vezes lhe assustou?” A dificuldade em se relacionar afetivamente com alguém e manter a pessoa ao seu lado?
“Aquele ciúme que ela sente de tudo e de todos? Os pesadelos quase que diários que a apavoram? A constante vontade de voltar a ser criança e ao mesmo tempo se aferrar mais ainda no trabalho? O pavor à mudança e outros sintomas que podemos classificar como estagnação?” Maristela reconhecia todos estes comportamentos como característicos de Lupy.
A senhora continuou: “a Vida está providenciando a cura de tudo isso para sua menina. Uma árvore trará a cura. Ela precisa deste tempo. Está próxima sua volta, não mais menina, mas a mulher que ela nasceu para ser.”
III – Lupy e a Floresta
Oito meses e vamos encontrar uma mulher com um vestido longo e solto, todo colorido, porém desgastado pelo tempo, vagando dentro da floresta urbana próxima ao apartamento onde moravam, num bairro nobre de uma grande cidade.
Ela andava com o olhar vazio, circundava as árvores abraçando-as. Contemplava os pássaros, as árvores e reverenciava o rio que ali passava, que ao adentrá-lo pedia permissão para fazê-lo.
Era Lupy que ali estava, porém não se reconhecia como tal. Sua companhia em todo esse período eram as árvores, os esquilos, gatos, pacas e até outros animais não muito simpáticos, porém que em nada a ameaçavam. Ela estava una com o ambiente.
Quando chegava a noite, Lupy costumava deitar-se ao pé de uma determinada árvore que fazia um vão entre suas raízes onde cabia seu corpo encaixadinho. Sua manta eram os gatos que encontrava no caminho e espontaneamente a seguiam. Quando deitava-se, eles montavam sentinela e se frio fazia, eles a cobriam com seus pelos, cantavam para ela com seu ronronar.
Lupy depara-se com uma mulher de pé em cima de um cavalo selvagem. Ele corria, e ela com os cabelos e as saias em camadas coloridas em fino tecido qual seda, ao vento, não parecia fazer esforço para se equilibrar.
Parou. Prestou atenção como se visse tal cena todo dia. Sem espanto pode acompanhar com o olhar a mulher pegar frutos nas copas das árvores, os mesmos com os quais ela mesma se alimentava. Colhia flores e folhas, cascas de árvores e muitas sementes. A mulher fazia tudo em cima do cavalo com movimentos leves como uma dança.
Lupy continuou, até que em determinado momento a moça sentou-se no cavalo, ajeitou os cabelos e este não mais corria, vinha trotando calmamente em sua direção. Ela não sabia o que sentia. Mas manteve-se tranquila como quem espera um presente- apenas a expectativa do que viria… gostaria do presente? O que faria com ele? Ao mesmo tempo era tudo muito familiar.
Não precisou continuar elucubrando a respeito. O cavalo aproximou-se, a moça desceu e sem esboçar uma única palavra entregou nas mãos de Lupy uma cesta com todo o conteúdo que havia colhido. Nada foi dito de parte a parte. As duas olharam-se nos olhos e a recém-chegada moça do cavalo de repente desapareceu. Lupy balançou a cabeça como quem tenta entender, e constatou que apenas a cesta permanecia ali, tendo a moça e o cavalo desaparecido.
Quando refez as cenas em sua mente, notou com espanto que a moça que acabara de ver à sua frente era ela mesma. Como seria possível?
IV – Olhando nos próprios olhos
Olhou para o topo da árvore, onde esta misturava-se ao céu. De repente ouviu uma voz doce, que vinha sabe-se lá de onde, mas vinha forte, decidida e mansa ao mesmo tempo. Ao recostar-se à árvore, sentiu uma vibração no mesmo ritmo da voz. Neste momento soube que suas questões mais antigas estavam sendo respondidas. Este era o ponto de partida. Sabia que a partir daquele momento estava pronta para ser Vida – aquele movimento infinito. Não havia mais cisões – ela estava encaixada em si mesma e em todas suas experiências anteriores.
Continuou na vibração da voz que repetia:
“Eu sou o rio, alimento a terra, abrigo os peixes, acarinho as pedras, transporto tuas emoções.
Eu venho da nascente do Mundo, eu não nasci, brotei de dentro da pedra minha mãe primordial.
Eu e ela somos a essência do teu universo. Eu sou e abrigo a Vida.
Sou teu alimento, teu sangue e teu descarte, tua lágrima, teu suor, tua linfa.
Me transformo mais uma vez em matéria sutil e subo aos céus, me torno teus pensamentos.
Eu sou teus mais profundos sentimentos, sou tua saúde, eu sou teu amor mais profundo .
Eu sou você em fluidez. Eu sou… eu vou… eu volto… sou árvore, sou doce, sou sal;
Aqui eu estou cipreste, dentro de ti tenho teu nome.
Nomes? Escolha o que melhor vestirá tua alma em fluidez.”
A partir deste dia, não demorou para Lupy voltar ao lar paterno, se desligar da empresa,mudar-se para a própria casa, montar seu jardim com todas as sementes recebidas na floresta, pintar suas telas e viajar pelo mundo, onde hoje mostra sua arte, seu amor e poesia para quem tiver olhos de ver e ouvidos de ouvir. Mas o principal: coração para pulsar no ritmo amoroso da liberdade de ser quem é.
Descobriu que a liberdade que tanto buscava estava dentro de si mesma. Poderia inclusive escolher depender financeira ou afetivamente de quem quer que fosse que isto não a tornaria menor, se houvesse amor não seria dependência e sim um ato amoroso de gratidão, uma troca amorosa. Podia pensar, sentir e escolher. Inclusive ir ou ficar. Este era o poder que procurou a vida toda – não era poder, era a força de (re) conhecer a si mesma.
Foi pintando suas emoções que descobriu-se sensitiva. Ela viaja o mundo pintando as emoções das pessoas a quem atende em seu atelier a céu aberto, seja no Brasil, no Marrocos, em Paris ou Egito.
Atualmente ela se assina Lupicínia, que significa “dos lobos” – seu logotipo é sua árvore da sua cura – o cipreste. Sabe por que? Porque ela quer.
A profecia da senhorinha do mercado cumpre-se por inteiro.
Enfim ela realmente sabia que as coisas são porque fluem. Se não fluem, “não são – estão”, pois não permanecem, não se sustentam porque não têm o apoio da alma do indivíduo. Ela É!
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