A menina, as ervas e a Alquimia da Alma.

Luciana Isabel estudava em um colégio conhecido por ter sido a antiga residência de um barão.  Gostava de olhar  fotos antigas guardadas em um baú de uma construção nos fundos do colégio. Era fascinada por coisas antigas, por ervas, e desde cedo lia livros sobre ervas. Dizia que queria fazer a Alquimia da Alma.
Havia vários prédios dentro daquelas terras,  a partir de um determinado ponto, era proibido ultrapassar. As construções dos fundos eram envolvidas em grandes mistérios.
Desde o primeiro dia como estudante naquele local, fez grandes amizades –  quase não conversava com os colegas – a estes só respondia quando se dirigiam diretamente à ela. Sua amizade era com as árvores,  os pássaros, gatos e coelhos que moravam naquela parte preciosa da escola – os prédios dos fundos e seus arredores.
Ali morava um senhorzinho bem  velhinho, com a cor da pele bastante escura. Andava meio curvado, de modo que não dava para ver seus olhos à primeira vista. Sua casa era no fundão do terreno. Era grande e tinha uns degraus na entrada.  Luciana Isabel costumava ficar ali sentada esperando que ele aparecesse.
Ele sempre vinha com uma canequinha de café. Ela achava engraçado que a fumaça da caneca nunca parasse de dançar no ar, fazendo-a imaginar um café que nunca esfriasse.  Isto era um baita mistério, bem como o era a cor dos olhos daquele velhinho.
Um dia ela não aguentou e o chamou pelo primeiro nome que lhe veio à cabeça: “Tio Artú!” Ele levantou os olhos e respondeu: “como vai, minha menina?”
Nossa! Ela adorou ser chamada assim. Ficou parada olhando enfim para aqueles olhos da cor das frutas que caíam das árvores que se podia ver na entrada da escola. Eram jabuticabas. Que brilho diferente! Até aquele dia ela ainda não tinha visto olhos assim.
Ele quebrou o silêncio e disse: “Menina Luciana Isabel,  estou pronto para responder-lhe o que quiser.” Ela assustou-se e fez a primeira  pergunta a ele. “Como sabe o meu nome?”
Ele respondeu olhando para a fumacinha de sua caneca. “Gostei que você me chamou pelo nome – isto confirma que temos muito o que conversar. Aqui ninguém fala comigo, tampouco me olham nos olhos.  Ninguém até hoje se interessou em saber meu nome.” 
Ela respondeu rapidamente. “Não sei como descobri,  mas me veio à cabeça, parece que lhe conheço há muito tempo. E quanto a olhar nos olhos, tenho que lhe confessar, era isso que eu buscava desde o início – seus olhos.
Ele sorriu e convidou-a a sentar-se ao seu lado, ali nos degraus de sua casa.
Ela imediatamente sentou-se,  pôs-se à vontade e começou.
“Você mora aqui?” Ele respondeu que sim, e foi logo explicando,  ele sabia que não se deve falar aquilo que não lhe for perguntado, mas com ela, sentiu o contrário – tinha que aproveitar a oportunidade para ser ouvido. Sabia que podia, e até devia. Ele também sabia ler olhos e corações.
Contou que era filho de escravos, que  à época trabalhavam para o barão, antigo dono de todo aquele bairro onde se localizava o colégio. Falou que nasceu liberto devido à uma lei, mas mesmo que não fosse a lei, ele seria livre, pois seu espírito não conhecia grades, é livre para pensar e sentir o que quiser. Disse ser um  grande proprietário de terras, mas estas diferentes das do barão,  pois são as  Terras do Eu Sou. Ele poderia sentir e pensar o que quisesse e ninguém poderia pisar ou mandar ali.
Enquanto isso, Luciana Isabel não tirava os olhos de cima dele, quer dizer, seus olhos estavam grudados nos olhos do Tio Artú. Ele disse que morava naquela casinha,  devido à sua história e começou a narrar:
A baronesa queria muito ter filhos,  pois se acaso não  os tivesse,  não seria considerada digna de ser mulher,  tampouco baronesa.  Ocorre que ela tentou muito “dar um filho” ao barão,  mas nada acontecia. Ela se sentia culpada por não poder ter filhos, pois assim faziam que as mulheres daquela época acreditassem.
Mas nem tudo é como o homem pensa ou deseja – o homem põe e Deus dispõe – Ele tem planos,  projetos e propósitos próprios – cada um com motivos justos. “Quem disso não sabe e aceita, não é livre, pode ser branco, ou preto, rico ou pobre,  pois não conhece as próprias asas, que é o espírito do homem.”
“O barão perdeu quase toda a fortuna em jogos e Irène, sempre triste, não engravidava de jeito nenhum.  Ela começou emagrecer muito e adoeceu.  Minha  boa mãe compadeceu-se da estória que testemunhava de perto, e aparentemente nada poderia fazer. Ela sabia que “só se deve dar o que for pedido,  pois a necessidade ensina o bom uso; e só se deve falar o que for perguntado, pois os questionamentos levam à reflexão e esta à sabedoria”. Quem pergunta é porque sentiu com o coração o momento de saber. Seja qual for a pergunta e a razão desta, tudo tem potência para transformar-se em algo de bom. Dentro de cada ato existe uma intenção e esta é a matéria prima para a realização. O quê? Aí vai depender. Quer ver como?”
Ela permaneceu muda, só balançando a cabeça, pois não queria atrapalhar. Assim, tio Artú continuou…
“Minha mãe decidiu ajudar.
Embrenhou-se na floresta-  toda aquela região era floresta naquela época –  Foi perguntar às pedras do rio. Ali  aprendia muito sobre a Vida, disse. Ele ia falando seguindo as expressões dos olhos de Luciana. Sentiu que precisava dizer: “depois explico como. Aprendi com minha mãe,  mas esta é sabedoria das mulheres. Ela  nunca gostou de cisões,  por isso nunca fez distinção entre os filhos, fossem  homens ou mulheres.  Eu e meus irmãos meninos aprendemos sobre ervas, pedras, rezas e mistérios, como nossas irmãs. Ela dizia que isto se chamava Alquimia da Alma.”
As pedras são as primeiras habitantes desse Planeta.  São mais antigas que os homens e as plantas.  Elas não falam com a boca, mas falam com o espírito de quem quiser ouvir.  E nós aprendemos  a traduzir.
Luciana Isabel já ia abrir a boca dizendo que queria aprender, mas Tio Artú se adiantou: “aguarde. Estava esperando o momento.  Tenho a missão de ensinar-te. “
Seguiu contando que sua mãe  foi ao rio e lá sentou-se. Aguardou. O primeiro pássaro que passasse lhe daria um sinal.  E assim foi. Cruzou o céu um urubu. Minha mãe logo soube que havia muita sujeira a ser limpa.  Os urubus são aves muito úteis à ecologia da alma. Trabalham como competentes garis de energia.
O segundo pássaro que passasse lhe indicaria o que seria necessário. E não precisou esperar o terceiro  para saber a resposta.
Surgiu logo um casal de pássaros carregando sementes em seus bicos. Estava ali a resposta –  vieram mostrar que após uma limpeza, um casal unido alimentaria sua cria.
Artú continuou. “Minha mãe voltou  sabendo que poderia ajudar a baronesa. Antes de deixar o rio, catou doze pedras, porém sem selecionar,  fez aleatoriamente.”
“Apenas quando chegou em seu quarto – ela havia conquistado o direito de ter um aposento só dela, devido aos seus dons – distribuiu as pedras e as olhou com os olhos das mãos. Ela achava que via com as mãos,  e via mesmo. Segurando-as sentia em seu  coração uma palavra.
Depois de ouvir cada uma,  foi ao quarto da baronesa levando-lhe um chá  bem forte. Pediu que ela bebesse tudo. Assim ela fez  sem questionar. Em alguns minutos, a baronesa levantou-se e falou:
“O que faço para ter um filho?” Minha mãe apenas disse que ela deveria servir um chá ao barão,  que ela traria à noite,  e tão logo ele dormisse, viesse chamá-la. Fingiu que de nada sabia, como cabia à uma pessoa sensível e elegante de coração, como minha mãe.
Assim que tomou o chá dos sonhos,  o Barão entrou em sono profundo. Conforme o combinado, a baronesa correu ao quarto de minha mãe e as duas saíram vestidas de mucamas. Estava tudo preparado. Ninguém as notou sair. Assim, entraram floresta adentro e ao chegarem na beira do rio, havia um Conselho de Mulheres as esperando. Eram as sábias da floresta. Todas elas eram chamadas de “Mamãe”.
A primeira a vir recebê-las era Mamãe Isisuma bela mulher que apenas disse: “Concedo a bênção da cura de si mesma. Concedo a fertilidade responsável – aquela a qual apenas você decidirá se deseja e saiba a razão. Agora vá, não questione e não olhe para trás. Agora só existe o momento presente.”
A segunda parecia a mais velha de todas, que disse: “Concedo a bênção do amor completo, seguro, inquestionável, cuja única condição verdadeira é a permanência. Ele pode mudar de forma, mas é Infinito. Amor não se cobra, nem se impõe, lembre-se. Quando ouvires: “Amo-te como minha musa, ou: amo-te como uma irmã, ou uma filha, amante ou como a minha mãe”, desconfie, pois amor não tem nome – ele é flexível, adaptável e perene. Nele tudo cabe, menos rótulos, pois aprisionam o sentimento – Amor é liberdade!
Ele flui e se adapta como a Água, queima como o Fogo, nutre como a Terra, e sobe aos Céus como o Ar.
De lá desce à Terra, a rega em forma de chuva. Nesta Terra é lançada a semente que o Fogo Solar alimenta e transforma. Assim ocorre infinitamente. Há força maior? Digo tudo isto para fazer-lhe saber que Amor não nasce e não morre – simplesmente existe porque é a própria Existência Divina em nós.” Siga e não olhes para trás. A Vida  é o que sentes. Atenção.”
Não esqueça jamais: O Amor começa em você – você é a Matriz do Amor. Se assim não for, nunca o perceberás no outro”.
A terceira e última das mulheres a falar, apenas disse: “tudo o que desejares, hás de honrar; tudo o que abominares, hás de antes de mais nada, perdoar-te o sentimento que a ti mais fere do que o objeto dele, liberte!” Pelo teu desejo hás de responsabilizar-te por toda a Eternidade. Tudo é eterno, jamais esqueça! Agora siga e não olhes para trás.”
Do centro da roda das anciãs, surgiu uma criança, uma bela menina, que olhando para as senhoras, perguntou: – Posso conceder uma bênção também? Todas elas ao mesmo tempo concordaram com um leve gesto de mãos. “Concedo-te o dom de ser a mulher que deseja, que sente, mas também aquela que aprende a si mesma a cada dia, aquela que sabe e realiza. Concedo-te o dom da palavra sagrada e da Cura.
“Escolha agora três ervas e três palavras de Cura, pois elas  serão a verdade, a realização e a Cura.” Não as pronuncie em vão e não diga a ninguém quais são. Você só as usará para a cura de quem quer que de ti precise, seja novo, velho, pobre ou rico. Jamais faça distinção entre os seres. Aceita?”
“Sim!” ela disse. A menina com seus belos olhos cor de mar noturno, sorriu e disse: “Agora vá e só olhes para a frente – quem olha para a frente, aprende o caminho e não tropeça. Só olhe para os lados para conhecer o seu próximo. E para trás, se olhares, verás que é apenas a história que fez de ti quem é naquele momento. Portanto, siga seu Caminho em Amor, confiança e fé. Saiba que o Amor, tem várias feições. Não o julgues.”
Assim, a baronesa voltou para casa junto com sua mucama, que,  de longe, acompanhava tudo em oração. Minha mãe antes de recolher-se, levou a baronesa ao seu quarto e entregou-lhe três ervas frescas – ela mesma deveria fazer o chá antes do amanhecer – dentro dele colocaria uma pedra, aquela que a respondeu quando perguntou o que poderia fazer pela baronesa.  Ensinou-lhe umas palavras a serem ditas ao colocar as ervas em infusão.
Colhidas da terra, entregam  em amor a essência de vida na água, entram em ebulição com a ajuda do fogo e do ar. Através do vapor, doam seus sabores e aromas que tomam conta do ar. Agradeço, aceito e vos honro.”  A parte que os olhos humanos creem ser o bagaço, transforma-se em cinzas que aos ares levam meus pedidos de bênçãos; 
“Honro o que aprendi e peço ser mãe, não pelo Barão, não por mim, mas pelo privilégio de ser matriz no Universo -, poder doar amor sem medo. Assim, creio, assim é. E se a maternidade não me for possível,  que eu saiba criar com amor algo de bom para mim e para o mundo.”
Foi  em quietude até o caramanchão, bebeu cada gole daquele chá mágico em oração. Voltou ao quarto, deitou-se ao lado do Barão e dormiu. Quando acordou, acreditou haver sonhado tudo aquilo. O Barão acordou contando que sonhou com três mulheres que o ensinaram que sagrada é qualquer forma de Vida. “Me disseram que você é Amor e através de você conhecerei um amor maior”, disse à Irène.
Nove meses depois nascia uma bela menina de olhos cor de mar noturno, à qual deram o nome de

Damiana por sugestão de minha mãe – ela sabia a razão, pois damiana era uma das ervas utilizadas no chá que a Baronesa tomou. A outra, sei dizer que foram apenas três pétalas de sempre viva (por suas propriedades energéticas)  e a terceira, a erva-doce.

A partir do nascimento de Damiana, minha mãe tornou-se uma espécie de conselheira com um status bastante importante na Corte – ela interpretava sonhos, lia as estrelas, recebia conselhos das pedras e das ervas, repassando-os de forma lúdica para quem precisasse.
 A Baronesa, tão logo Damiana completou sete anos de idade, passou a pintar quadros belíssimos, tornou-se famosa por seus talentos, e a prosperidade tomou seu lugar naquela casa. As dívidas foram pagas, o Barão não mais apostou em jogos, e minha mãe e a Baronesa passaram a ajudar a todos que precisassem, fossem escravos ou senhores, com suas ervas, suas estórias e seu amor.
A escravidão ali deixou de existir por imposição das mulheres e concordância do Barão, que passou a ser uma pessoa muito melhor desde o nascimento da filha. Esta também tinha um dom – conhecia as intenções e o temperamento da pessoas só de olhar dentro dos olhos delas. Adivinhava o que as pessoas iriam falar antes que estas abrissem a boca. Neste momento Luciana Isabel emocionou-se, não sabia a razão.
Tão logo “Tio Artú” terminou de contar a estória, Luciana quis entrar na casa dele, pedindo que ele abrisse um baú que ela ainda não havia notado existir ali,  queria ver fotos antigas. Ele mostrou um caderno onde se podia ver o desenho de várias ervas, – Luciana foi identificando uma a uma, sem saber como fazia aquilo, já que não conhecia plantas até então – tudo para ela era muito novo. Quando deu-se conta do que havia feito, emocionou-se mais uma vez.
Viu também uma foto, de duas mulheres e uma menina, – ela estranhou: “quem são, me parecem muito familiares – esta parece com minha mãe, esta outra com minha madrinha e a menina sinto como se fosse eu mesma. Como pode? Falava quase sem voz de tanta emoção e surpresa.
Artur então disse que aquelas mulheres poderiam sim ser a Baronesa, sua mãe e Damiana, pois os mistérios da Vida à Ela pertencem, porém não deveria tentar fazer inferências sobre tais mistérios.  Com o Sagrado não se deve mexer, apenas respeitar. Tudo se esclareceria a seu tempo.
No dia seguinte, ao voltar à escola, Luciana não mais encontrou a casa, não mais viu “Tio Artú”, e não havia aquela parte da escola, nem vestígios dela. Perguntou a outras crianças e aos adultos – ninguém soube dizer.
Ouviu dentro da sua mente as seguintes palavras: “Agora vá e olhes para a frente, desenhe o seu Caminho, olhe para os lados e conheça o seu próximo. E para trás, se olhares, verás que é apenas a história que fez de você quem é, portanto, faça da sua Vida um trabalho de Amor, confiança e fé. Saiba que o Amor, tem várias feições. Não o julgues.” Seguiu-se a voz de sua madrinha dizendo: “só se deve dar o que for pedido,  pois a necessidade ensina o bom uso; e só se deve falar o que for perguntado, pois os questionamentos levam à reflexão, e esta à sabedoria…”
Faltou dizer que os chás foram usados durante 28 dias – cada um por uma semana,  respeitando horários específicos. Ela curou-se da estagnação das energias, perdoou-se por haver querido ter um filho pelas razões erradas. Apesar de as propriedades físicas serem usadas, com esse mesmo  propósito. Obteve sucesso no tratamento por todos os motivos – as propriedades físicas das ervas ajudaram, as propriedades energéticas foram de vital importância, o que propiciou suas emoções equilibrarem-se, levando à um comportamento e sentimentos mais saudáveis e conscientes.
Nota: Jamais substitua consultas com profissionais. Receitas de Internet não irão resolver e podem ser danosas em determinados casos. Considere todos os aspectos de uma situação antes de fazer uso de qualquer substância.
Valéria Trigueiro

Valéria Trigueiro é perfumeterapeuta com experiência na elaboração de perfumes personalizados segundo o equilíbrio dos 4 Elementos. Seu trabalho define-se como "Aromaterapia e Espiritualidade.

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