Vivemos numa época em que algumas pessoas se dizem religiosas e fecham-se dentro daquilo que acreditam ser a Verdade. Sim, existem aquelas que creem no Todo e observam o Universo e a si mesmas, aceitando aquilo que é compatível com sua visão de Vida, abrindo seus ouvidos e corações para tentar entender o ponto de vista de onde o outro se encontra.
Desta forma, não há lugar para preconceitos, ao contrário, pois através da observação do outro, concordando ou não, elas veem a si mesmas e ratificam suas crenças e podem, inclusive, pensar e tentar entender como se dão as “verdades” alheias, e a partir daquilo que seria apenas uma crença, transformá-la em experiência.
Temos o hábito de falar em religião e não em religiosidade, que é a forma de se reconectar não só com o Divino, mas com a essência do Divino que habita em cada um de nós. O assunto aqui nada tem a ver com religião, e sim com a forma de conexão que as pessoas fazem umas com as outras e com elas mesmas.
Tenho tido a oportunidade de observar como temos feito isso. Aquilo que é sagrado para um pessoa pode não ser para outra. Sim, até esse ponto creio estarmos todos de acordo. Entretanto, como vivemos na Terra e cada indivíduo tem a sua própria experiência tanto do profano quanto do sagrado, fica fácil desrespeitar aquilo que para o interlocutor não é profano, e sim sagrado. Nesse ponto, troco duas vogais e transformo a palavra em questão para: segredo.
Segredo é aquilo que não pode ou não precisa ser revelado, algo que pertence ao indivíduo apenas, podendo ser compartilhado com alguém em quem se confie. Entretanto, também pode apenas ser algo que por não ser da alçada de terceiros, a pessoa queira manter seus assuntos à parte, isolados, pois fazem parte daquilo que consideram sagrado para elas.
Em uma época em que as pessoas publicam suas dores e alegrias para que todos façam parte, opinem, ou melhor, julguem e façam inferências sobre aquilo que foi publicado, a maioria delas também se sente no direito de querer saber da vida alheia, e não só no mundo virtual, mas ao vivo e a cores. Não, vocês não me pegaram. Não é julgamento, é opinião e respeito. 🙂
Ah…, mas não pensem que estou falando de uma via de mão única! Elas também contam seus “segredos” na mesa de bar. Não…, não estou reclamando, ao contrário, pois vendo como as pessoas sentem e pensam, fica mais fácil ter uma dimensão do humano e conhecermos a nós mesmos, pela simples reação que temos diante de tais revelações. São espontâneas, ali você não pensa o que é adequado pensar, simplesmente reage, se identificando ou não com aquilo que acaba de ouvir. É aprendizado!
Este é o momento do profano que pode se tornar sagrado. O momento em que o segredo é revelado. Aqui acende-se a luz amarela para prestar atenção. Hora de praticar aquilo que tanto combate-se, pelo menos, no verbo. Julgar. Julgamos sim e não fosse essa capacidade humana de julgar, não saberíamos a nós mesmos. O que é terrível e pode e deve ser evitado, é chegarmos à fase da sentença: “fulano é assim”. Não. Ninguém é só “assim”, depois de colado o rótulo nada mais pode ser acrescentado. Assim, saímos da dimensão do sagrado e entramos na dimensão do profano.
Ah… o profano e o sagrado…! Uma mesa de bar pode tornar-se um lugar sagrado para um indivíduo a partir do momento em que ali ele pode ter uma experiência profunda em uma simples conversa em que coloca seu coração na mesa e expõe o que tem de melhor (ou pior) para seu interlocutor e pode ouvir de volta palavras de aceitação, apoio ou mesmo de respeito.
O contrário também acontece. Na nossa sociedade industrial em que todos andam com suas câmeras a postos para qualquer evento, tenho observado grupos de pessoas entrarem em templos, fotografarem as artes ali expostas, vitrais e santos barrocos maravilhosos e saírem sem ao menos darem uma paradinha para uma oração. Não param de falar sobre as belezas ali expostas e combinam onde irão almoçar. Momento de total extroversão.
Certamente o momento ficou registrado na máquina, a pergunta é: será que ficou na memória? O que se sentiu ali?
No final das contas, esse post partiu da observação de que aquilo que me é mais importante, os momentos mais bonitos, profundos, e portanto sagrados, não são fotografados, mas andam comigo onde quer que eu vá. Têm o registro mais efetivo. Todo indivíduo guarda em si um segredo e é isso que nos torna sagrados.
Tem uma fala no Retrato de Dorian Gray que diz mais ou menos assim: “… quando gosto muito de uma pessoa, procuro não pronunciar seu nome para os outros. É como se eu abrisse mão de uma parte dela. Aprendi a amar o segredo. O mistério parece ser o que ainda permite a vida moderna ser maravilhosa. Quando saio da cidade, não digo onde vou, se eu dissesse, perderia um pouco do romance, do mistério…”. Gosto dessa fala, porque a pessoa a quem se “gosta muito” pode ser você mesmo.
E nem pensem que o segredo está em grandes eventos, eles fazem parte do cotidiano, do mais simples, nada a adivinhar. Quer saber um segredo? Olhe para dentro e encontrarás o Sagrado.
Foto: Retirada na Catedral Metropolitana do Rio de Janeiro (num momento profano/sagrado).
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