Dia 31 de outubro – neste dia comemora-se o dia das bruxas. Ok, mas para mim sempre foi especial, quando criança era o dia da heroína, passou a ser o da guerreira, depois veio o dia da vencedora, tornou-se ao longo do tempo o dia da mãe, para logo depois tornar-se o do Ser Humano – minha mãe. E hoje me permito sentir saudade. Era seu aniversário.
Não vou dizer que não dói porque seria mentira, mas é um dia em que a saudade vem mesmo sem cerimônia, se senta, se ajeita e eu até puxo a almofada para ela ficar mais à vontade. Sirvo-lhe um chá com especiarias para a conversa ficar mais animada.
Converso com ela. “Senhora saudade, me trate bem, assim como a estou tratando…” E ficamos combinadas assim. Ela me lembra de uma história de luta com fé; lembra-me que “ainda que esteja pisando em espinhos, olhe as estrelas, não se esqueça nunca disso”; me falou que tristeza existe para ser curada e que se você usar “verdes e vermelhos” melhora bastante a disposição para fazer isso, porque ao olharem para você não lhe perguntarão com olhar de preocupação ou pena: “o que houve, você está tão abatidinha…”, ela me disse que isso era o mesmo que dizer: “sou fraca e cuide de mim”, e disse ainda que existe gente no mundo capaz de se aproveitar disso. …E era verdade…!
Além disso, não lhe dão chance de reagir, pois a cada “o que houve?” que você ouvisse, iria reviver a tristeza e se colocar em posição de vítima. Receber cuidados e palavras de conforto têm grande eficácia quando chegam espontaneamente, sem que você precise nem pedir, elas vêem revestidas de amor. Mas, claro, se precisar pedi-las, saiba a quem. Peça ajuda a quem tem para dar. Para saber disso, escute as pessoas, observe-as. “Procure em quem confiar, pessoas que saibam mais do que você, pois assim, além de aprender, você poderá agradecer à vida e repassar o conhecimento.”
O papo foi até ficando animado e ela me lembrou que um sorriso franco consegue coisas que pacotes de dinheiro não são capazes de comprar, falou que o maior investimento que alguém pode fazer é na alegria e nos próprios dentes. E provou-se verdade.
Lembrou de um episódio em que eu adolescente, tinha uma festa para ir a cada final de semana e precisava ter um vestido novo e arrasador a cada vez. Chegou o dia em que isso não foi possível. Fiquei triste e ouvi: “vista o que você tem de melhor – um sorriso e um batom vermelho, duvido que alguém vá reparar na roupa que você veste, conheça seus amigos!” E era um truque dela, poderia ter tido uma roupa nova – a bobagem da “máscara para o corpo” em forma de roupas era só minha.
Fui lá e constatei. A partir daí me liberei e virei “hippie, de boutique”, claro. Passei a comprar calças jeans numa loja chamada “lixo” em Copacabana e camisetas da Biba e da Hering, ah… camisas de marinheiro também eram parte do meu “uniforme”. Só fazia questão de sapatos coloridos. E eu me sentia ótima!
Com isso, ela mostrou que “verdes e vermelhos”, perfumes franceses e essas coisas são máscaras às vezes necessárias na sociedade, mas ao lidar com humanos, indivíduos, temos que mostrar e procurar ver além das aparências. Ser apenas humano. Lição aprendida!
Sempre dizia, me lembrou a Saudade, que quanto à sedução, a lição era: “Busque a verdade, não julgue, portanto incentive a verdade, fale a verdade. Dependendo das pessoas, as “verdades têm nuances”, cada um tem seu tempo. Ouça o que é “verdade” para cada um. Respeito acima de tudo. Diga a sua, mas mantenha o mistério – aquilo que é seu e não há necessidade de compartilhar. Essa é a sua segurança. Verdade e segurança são fortes poder de sedução.” E esta, começa com o autoconhecimento e autoestima.
O papo foi crescendo e a Saudade me lembrou dos truques para tirar foto com a mão em frente da barriga para parecer que você não a tem; lembrou da “Senhora Gentileza” andando pelas ruas de uma cidade pequena onde morou distribuindo chocolates. Saía pela rua de “verdes, vermelhos” ou outra cor desde que fosse solar e alegre, usava um par de óculos de sol bem grandes e dizia que era para tapar a velhice. Era conhecida na cidade pelo sorriso largo.
Detestava parecer “velha”, mas isto só fazia parte da personalidade que não admitia ser vista como “frágil” ou coitadinha. E isso tinha uma razão.
Uma mulher que teve que criar três filhos sozinha, sendo funcionária pública, sem nível superior até então, trabalhando no meio de 21 homens, era ela e mais duas, sendo que “a desquitada” era ela a única. Nessa época, anos 1960, era o mesmo que dizer: “eu sou uma droga de mulher, meu marido me largou, por minha culpa, claro, e tô na pista”, claro que Dona saudade está falando isso com palavras escolhidas, porque o discurso era bem mais feio do que isso. E a história era bem outra.
Tinha que levantar o nariz, usar verdes, vermelhos, perfumes franceses, que à época era algo de raro, mas não podia passar a impressão de carência de forma alguma, pois sempre tinha alguém para querer “consolá-la por algumas horinhas”, claro.
Falou também sobre quando seus filhos já adultos, ela se liberou e disse que os filhos estavam encaminhados – que a herança melhor que ela poderia deixar era: fé, religiosidade (não religião) e o gosto pelos estudos. Tudo mentira, ela não deixou de se preocupar com os filhos nem com Alzheimer! Dizia que a melhor companhia além dos seus afetos verdadeiros, sempre encontraremos nos livros – eles não lhe cobram comportamentos ou fortaleza. Mas tinha uma advertência: “Não acredite totalmente neles, filtre e questione. Discuta com os livros!”
Falou e mostrou o exemplo, estudou, namorou, conseguiu um cargo melhor, seus três filhos estudaram, se tornaram boas pessoas. Ela colecionou amigos e deixou cadernos com orações para seu primeiro neto, meu filho, e um para mim. Hoje, quando preciso de mãe, basta chamá-la dentro de mim e perguntar, argumentar e ouvir. Funciona! Ah… e se não funcionar, o caderno, como talismã funciona sim, está impregnado de amor e fé.
Agora que já conversamos, dou um abraço de despedida na senhora saudade e vou me preparar para celebrar o privilégio de estar aqui, de ter sido aceita e trazida ao mundo por esse ser humano – sem essa de santidade – que é minha mãe. É, porque vive no Infinito e dentro de cada um de nós que teve o privilégio de conhecê-la. Tanto assim é que acordei com um telefonema de uma amiga que mora na Itália para me dar um abraço pelo aniversário dela. Obrigada, Luzia Victoria!
E eu, chamo o Anjo das Asas brancas transparentes que sempre leva meus recados para ela. Sem essa de ser inconveniente e chamar – ela pode estar ocupada contando estórias ou ensinando alguém a rezar, se vestir, ou quem sabe colhendo ervas etéricas para um bom elixir que alguém aqui na Terra poderá tomar?
Salve o dia das Bruxas, mas mesmo que ela não goste, aí vai: “Mãe, um beijo e um abraço daqueles bem redondinhos pelo dia de hoje e pela sua vida – o dia da “Velha Sábia”. Desculpe pelo “velha”, mas você agora já mora no Infinito e sabe que tempo linear é só daqui mesmo. Minha mãe era mestre em ter-se a si própria, o que hoje chamam de poder, ela já chamava de amor próprio – simples assim.
Sinergia para a saudade ir embora numa boa: benjoim + gerânio + petitgrain – (veja quantidades, proporções e como usar com um profissional)
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