Entre o sonho e a realidade há um espaço onde moram duas senhoras – uma se chama Fé e a outra é conhecida como Ação. Nesse espaço, que, diga-se, é sagrado, ninguém pode penetrar se não o indivíduo.
Se acaso fosse dada a possibilidade de terceiros ali penetrarem, nada veriam – se deparariam com o invisível aos seus olhos.
Sim. há exceções raríssimas, que é o caso de almas afins que conseguem olhar na mesma direção, na mesma hora, ver algo parecido, não a mesma coisa, pois estaríamos entrando no campo do impossível, mas não é dele que estamos falando. Nesses casos, há um mergulho nesse espaço e algo de criativo, sagrado e belo vem à luz.
A união dessas duas senhoras visa um Bem maior do indivíduo, e muitas vezes, maior do que o indivíduo. Só há um perigo – “os vizinhos”.
Estes, do lado de fora, olham, tentam entrar “no espaço”, mas na impossibilidade, imaginam, inventam, julgam e emitem opiniões – esse velho vício da Humanidade…!
Para ilustrar bem o meu argumento, lembro de Dom Quixote de La Mancha, que era visto como um sonhador, mas na realidade, um sonhador que sai pelo mundo se colocando a serviço da Justiça, não é “apenas um sonhador”, ele é também um realizador.
Ele nunca pretendeu ser rei ou imperador, não buscava o poder – ele queria servir. A nobreza imperial não o interessava. Ele queria a beleza do cavaleiro andante.
Por que Dom Quixote é tão importante? Tanto leu sobre cavalaria, que nada mais justo tornar-se um cavaleiro. Assim, decide sair em busca de seu sonho. Sonho? Uhm… dizem que sim, mas eu prefiro dizer Projeto de Vida, ou sua Cura.
Acreditam-no louco, mas ele é um fidalgo na melhor tradução da palavra, já que etimologicamente quer dizer, “filho d’algo”. Filho é fruto que alimenta, faz pensar, crescer e torna o ser humano melhor. Este é Dom Quixote.
Para melhor entender, ele não se conforma em apenas ler passivamente. Ele lê, apreende e se torna parte da estória – agora ele é a estória – o cavaleiro.
Como para os fortes o sonho leva à ação, ele saiu em busca de um cavalo, pois como poderia existir um cavaleiro sem cavalo?
Bem, na falta de um puro sangue, ele deparou-se com um pangaré, e imediatamente assumiu-o como seu cavalo, batizando-o de Rocinante.
Precisava de um escudeiro, e na falta de um, saiu com seu olhar de poesia e encontrou um homem simples, pobre, gordo e desajeitado, que de escudeiro nada tinha, mas quem faz a visão das coisas não são os olhos, e sim a bagagem emocional com nossas experiências internas.
Estas sim, recebem em forma de luz e cor a imagem de nosso desejo ou necessidade. Estava escolhido ali na vizinhança seu fiel escudeiro – Sancho Pança.
Ele teve um pouco de trabalho para convencê-lo, pois era um homem prático,sensato e apenas acreditava no que via. Acabou concordando após Dom Quixote oferecer-lhe a governança de uma ilha.
A racionalidade diante do desejo perde sua força, e este aceita. Monta em um burrinho e sai com “o Cavaleiro da Triste Figura”, como era conhecido seu “nobre senhor” e rumam em busca de aventuras.
No caminho, Dom Quixote percebe que um cavaleiro precisa ter uma dama a quem dedicar suas vitórias. E a escolhida é Dulcinéia d’El Toboso – mais uma motivação do cavaleiro para sair em busca de ajudar o mundo. Há uma fala dele que diz assim: “Mudar o mundo, meu amigo Sancho, não é loucura nem utopia, é justica!”.
Vemos aqui o moto de Dom Quixote – mudar o mundo! Percebemos também nesta mesma fala que a fama de louco em nada modificava seu projeto e que o objetivo de sua luta outro não era se não a justiça.
Sua relação com seu fiel escudeiro diferentemente do que a princípio pode parecer, é totalmente de igual para igual, equilibrada. Dom Quixote dava conselhos ao seu escudeiro, e este respeitava seus “sonhos”, mas não sem antes tentar dissuadí-lo de aventuras nas quais apresentassem perigos à vida deste.
O fidalgo luta contra moinhos de vento acreditando serem perigosos dragões. Uma estória cheia de símbolos riquíssimos e eternos. Ele vê gigantes terríveis, depois de derrotado pode ver que são moinhos de vento. Entretanto, quando Sancho o questiona, ele simplesmente pede que se cale. Argumenta que “o Encantado” fez a transformação para enganá-lo e roubar a sua glória.
Assim, ele não se vê derrotado, pois lutou valentemente e só foi derrubado por obra de encantamento, magia. Fantasia? Não. Firmeza no propósito de fazer o possível, pois assim o fazendo, ele estava em paz. É um vitorioso de si mesmo.
Sua lança permanece intacta. Caso queiramos interpretar o significado dela, não optaríamos apenas pelo óbvio símbolo fálico. Este tem o significado de proteção e fertilidade. Perfeito para o caso, a sua mente fértil o protege, sua fantasia o protege de ser derrotado. Mas no caso de Dom Quixote não há analogia com o poder sobre o outro e sim com o “poder pessoal” de realização de sua missão de vida.
Portanto, essa lança tem um símbolo de eixo, suporte, força (diferente de poder), é algo que se por uma ponta recebe a energia do Céu, de outra, a recebe da Terra, fazendo uma ponte entre as duas polaridades.
Como ficaria um texto imenso se fosse discorrer sobre o assunto, ou tentar resumir um livro como esse, vamos direto ao ponto. Aliás, eu confesso, não teria essa pretensão literária, tampouco condições para fazê-lo.
Dom Quixote é magro, comprido, adora ler, sonhador, tem imaginação mais do que privilegiada e se preocupa com o Mundo. Quer sair à serviço, ajudando a fazer justiça, trazendo fantasia sim, mas se movimenta em busca do que acredita, portanto ele pode muito bem representar o Elemento Ar – ele é um ser Mercurial.
Sancho Pança faz um contraponto (complementar) com ele. É baixinho, gordinho, troncudo e é racional, chama a atenção de Dom Quixote todo o tempo para o que seria a realidade. Entretanto, tem a capacidade de ir com ele, fantasiar junto, mas tem um raciocínio simples, racional e sensato. Oposição? De jeito algum! Complemento? Sim, mas de ambos – ele é a Terra, a racionalidade que leva à ação direcionada, a conexão de Dom Quixote com o mundo real. Ele seria o Sulphur.
Entretanto, há uma passagem em que Dom Quixote “fica lúcido” e vê tudo com os “olhos de uma realidade seca”, nesse momento Sancho chama sua atenção e embarca no que seriam os “delírios de seu parceiro”.
Isto se dá quando Dom Quixote vê Dulcinéia como uma simples e feia camponesa que era, e Sancho imediatamente o lembra que não. Ela é a “sua nobre dama”. Tanto insiste, que ele começa fingindo para agradar o amigo e recupera a “sua lucidez” particular. Volta para seu mundo.
Quem é Dulcinéia se não a alma de Dom Quixote? Aquele lugar para onde podemos voltar e ser quem somos, protegidos e em paz. É a nossa casa interna. Ela foi escolhida como sua dama – alguém por quem lutar. Esse “alguém” é nossa essência, nossa força, nossa função sagrada.
Por que Sancho fez questão de “trazer Dulcinéia de volta ao status de “nobre dama, ou a princesa de Dom Quixote?” Ela é o moto, a ponte entre o sonho e a realidade – aquele espaço onde moram a Fé e a Ação, lembram?
Na Alquimia seria o Sal, a área do coração, a circulação sanguínea que leva a Vida para todo o corpo e suas funções, a mediadora, o equilíbrio. Dulcinéia é algo que ele não precisa ter – é necessária apenas a sua existência. Ela é símbolo de ser e não de possuir.
Quem há de provar que os moinhos de vento eram realmente moinhos de vento e não dragões ou gigantes? O que vêem seus olhos? Que uma cabana não era um castelo? Quais suas condições? Vemos aquilo que somos ou precisamos ver para um propósito que vai além da racionalidade.
Ao final das contas, quando nosso Cavaleiro volta para casa após suas aventuras, recupera totalmente o seco senso de realidade. Sua missão estava cumprida. Some Sancho Pança, pois ele e Quixote se integram, eles são um mesmo ser.
Dom Quixote está com sua missão cumprida e já pode partir para outras paragens. Segundo sua sobrinha, a recuperação do senso de realidade significaria a sua morte, porém acredito que uma missão cumprida, é a morte daquilo que precisava ser resolvido, a transformação de algo em outro, uma etapa realizada e início de outra, afinal Dom Quixote é um fidalgo (filho de algo) – um filho da Criação, do Criador, presente em todos nós.
Há um soneto que seria um diálogo entre Rocinante e Babieca (o cavalo de El Cid, herói Espanhol). Aqui como termina o diálogo onde Rocinante fala coisas que Babieca o questiona e este responde que assim o fala porque não tem comido. Babieca diz para ele que se queixe ao Escudeiro (Sancho Pança). Eis a resposta:
“… Como haveria de me queixar de meus problemas, se o amo e o escudeiro são tão quatro patas quanto Rocinante?”… (Rocinante é um ser inteiro de 4 patas). Não acredito que nesta fala ele estivesse desmerecendo a inteligência de Dom Quixote ou Sancho, pois assim estaria desmerecendo a si mesmo.
As duas da frente seriam a força mental de seu amo – Mercúrio -e as traseiras, a força física, muscular, de execução de Sancho.
Ah… onde se manifesta seu Dom Quixote? Ele cada dia mais, precisa viver mais forte dentro de nós. Só há um conselho que lhes dou: cuidado com os “vizinhos!” Eles temem o que não conhecem e estão longe de terem coragem de conhecer seus Quixotes, eles são egoístas e não têm olhos para encontrar seu Sancho.
Tentarão combatê-lo. Mas lembrem-se, quem vence a batalha é a Alquimia de Quixote, o Cavaleiro que buscou a Justiça e Sancho Pança é tão lindo e poderoso quanto ele. Eles são um só – a força forte de cada um dos indivíduos – amor, cooperação, confiança, fé e ação de mãos dadas. Um não é mais importante do que o outro. São um, mas independentes e há o respeito à função de um e outro na vida de cada um.
Eu faria um perfume para Dom Quixote apenas com sândalo indiano (que conecta o chackra coronário ao raiz, formando um facho de energia) + gerânio para ajudar à circulação energética ligando mercúrio ao sulphur com o vetiver, que potencializa as forças telúricas mais profundas.
Quem é você? Dom Quixote ou Sancho Pança? Ora, os dois, afinal são um inteiro. Fé e Ação, Projeto de Vida e Cura.
Não há derrotas, não há vitórias. Há vida – a vitória sobre si mesmo.
Você precisa fazer o login para publicar um comentário.