Sobre mulheres, amores, verdades e silêncio

A mulher acordou sem ter acordado efetivamente. Um tanto na Terra, outro tanto no espaço e ali estava seu corpo, sem que sua mente e seu espírito estivessem totalmente presentes. Estavam chegando, vindo de longe, sabe-se lá de onde.

Ao perceber que ainda não era possível levantar-se, pois não saberia interagir com o dia ou com ninguém, ali permaneceu.

Aos poucos ela foi sentindo que suas meninas iam chegando, se juntando, formando símbolos, trazendo o sentir e o pensar ao mesmo tempo. Suas meninas eram as Palavras.

Sem elas, a mulher sentia não existir, pois eram sua força, sua defesa, sua liberdade. Sem elas,  só sentia e não identificava quem se aproximava e quais suas intenções.

Teria ela medo de sentir? Um dia confessou que sim, pois se não pudesse explicar o que sentia, ficaria em algum espaço entre o Céu e a Terra. Não saberia como se comportar diante de si mesma.

Costumava dar nome para tudo aquilo que sentia, e se acaso não descobrisse como chamar algo, tentaria o impossível para descartá-lo, pois pressentia perigo.

Neste dia em que acordou sem ter acordado, sentia algo diferente e profundo. Apenas sabia identificar que era urgente. As meninas custaram a se juntar, parecia que estavam em conflito entre si.

A mulher ao perceber o que estava acontecendo, o que não foi difícil, pois naquela manhã ela era apenas percepção e sentimento, entrou em um estado de quase pânico.

Sentia seu organismo revirar-se. O coração acelerava, o peito apertava, o estômago enjoava, seus olhos embaçavam.

Queria gritar pedindo ajuda, mas como fazê-lo sem as meninas para ajudá-la? E sentiu algo quente correndo pela sua face, morno, salgado… Ao mesmo tempo sentiu como se o nó que tinha no peito se desfizesse, e aos poucos pode perceber algo.

Algumas das meninas estavam se juntando querendo ajudá-la. E foi assim que quatro delas entraram por sua mente de mãos dadas. “Vá até o espelho!” 

Como um robô obedeceu. Foi andando até o espelho e pode ver-se como jamais antes. Não reconheceu aquele reflexo.

Pode olhar com cuidado, carinho e atenção, já que as palavras ali não estavam para julgá-la. Apenas encarava o reflexo e sentia curiosidade infantil.

Sentia, apenas sentia… À medida em que se aproximava, podia ver dentro de seus olhos, e mais vontade de mergulhar dentro deles sentia. Estava ficando confortável, familiar…

Assim foi feito até que viu sua própria alma, sem ao menos saber que era ela mesma quem estava ali. Era uma bela mulher flor, não percebia se era gorda ou magra, não percebia-se a idade, a cor, nada… apenas brilho, apenas som, apenas sensação. Sabia que era uma mulher porque era flor, uma flor da qual nascia um pequeno e brilhante fruto. Emocionou-se ao imaginar que poderia ser ela.

Parada observando e sentindo-se florir, viu-se brotar. Ensaiou uns movimentos, leves e suaves. Tudo parecia em câmera lenta, uma dança acontecia ali diante do espelho.

A música brotava sem palavras dentro de sua mente, sem palavras, mas um ritmo suave e alegre a fez sentir seu corpo carinhosa e cuidadosamente. Era um (re) conhecimento. Era a sua música, o seu ritmo. Algumas palavras juntaram-se: “Estou eu.”

Aos poucos, retirou os olhos do espelho, dirigiu-se ao jardim e ali olhou os pássaros, sentiu o sol e o vento em seu corpo.

As meninas aos poucos chegaram em atitude de reverência àquele ser diante delas. Respeitosamente uniram suas mãos e formaram frases que aos poucos foram entrando pelos sentidos e fazendo sentido.

“Caminhe para o centro do jardim”. E assim foi feito. Automaticamente a mulher encolheu-se na terra e aos poucos foi brotando qual uma árvore até chegar à flor, ao fruto, a si mesma.

O mistério que ela era até então, que a muitos confundia e a ela muitas vezes fazia paralisar sem compreensão, nasceu, brotou brilhante, forte e perene. Não mais mistério para si. Nasceu em luz, em sorriso, em amor.

Nasceu a consciência do Infinito da semente que se esforça e rasga a terra, soube da necessidade do calor solar, da dependência e da importância que a chuva tinha para si, posto que Natureza.

Sentiu-se abrir em amor e em certeza de que era da semente ao fruto ela mesma, num ciclo infinito de amor sem palavras, apenas fluidez,  natureza em ação.

Não precisou mudar de nome. Descobriu que as máscaras até então utilizadas por ela eram apenas uma forma consciente de defender-se daquilo que temia – sua força transformadora. Sabia que mudar doi e dá trabalho. Descobriu quem era ao perceber-se parte do jardim.

Soube que na verdade, seus temores poderiam ter sido seus maiores aliados e não inimigos.  Enfim, puderam todos se apresentar e ela descobrir que estes eram as palavras escondidas, não ditas, quase malditas.

Usou seus poderes de sentir com os quais se apaziguou no exercício de acordar naquele dia, e percebeu que teria que ter uma conversa com as meninas.

Eram muitas, algumas rebeldes, outras mal educadas. E quantas negativas e duvidosas? Teve que enfrentar uma a uma e fazer com que as amorosas, suaves, positivas, alegres, caridosas, cultas e felizes se unissem em um movimento só.

Juntaram-se a elas as exclamações, as vírgulas, os pontos de interrogação, reticências e pontos. Alguns parágrafos e outros finais.

Não haveria mais a cisão do grupo do Não versus grupo do Sim. Aquietou-se e sentiu a vibração daquela reunião de palavras que parecia ser o inferno. Houve conflito, mas ela, como não tinha controle das palavras naquele momento, precisou permanecer pacífica. Agora ela era flor consciente de que tudo está em seu devido lugar.

Assistiu a tudo e devolveu para a terra a fim de que fossem transformadas algumas palavras que não mais lhe serviam, ficando apenas as que soubessem se expressar em amor.

Ela pegou algumas palavras com as próprias mãos e as colocou em seus devidos lugares, o mesmo fez com as interrogações. Pegou-as todas e enfileirou várias respostas que agora era capaz de visualizar, pois antes se faziam invisíveis.

Alguns pontos finais foram necessários, portanto enfileirou várias outras palavras como medo, dúvida e permissividade,  colocando-as adiante  dos pontos finais que se apresentavam. Bem verdade que alguns tentaram se esconder – palavras e sinais podem ser traiçoeiros! 

Selecionou suas preferidas, escolheu os pontos de exclamação, as vírgulas que dão ritmo, pausa para reflexão, e acarinhou as reticências. Junto delas ela pode ver as coisas como são… com continuidade… deixando possibilidades do vir a ser. Nada é definitivo! Escolheu a palavra Continuum e piscou o olho para ela.

Juntou algumas prediletas, pois agora tinha o domínio sobre elas e pensou: A Terra é o jardim onde habito. Aqui floresço, dou frutos, volto à terra, me renovo, fortaleço. Me apresento e comunico quem sou. Eu sou Amor e posso caminhar na direção que eu quiser…”

Fechando a questão para dar o abraço amigo de até breve, ficaram as reticências para mostrar a continuidade e a liberdade… Afinal,  o amor é como Deus, onisciente, onipresente e onipotente. O amor é o Infinito… Acabou o mistério. Ela sabe quem é e isto basta –  A palavra que é fruto e deixa sementes.

Conhecê-la apenas poderão aqueles que percorreram o caminho lado a lado com ela, que conhecem as palavras sagradas e sobretudo respeitam o Silêncio. Para os outros, seu nome ainda é Mistério.

Valéria Trigueiro

Valéria Trigueiro é perfumeterapeuta com experiência na elaboração de perfumes personalizados segundo o equilíbrio dos 4 Elementos. Seu trabalho define-se como "Aromaterapia e Espiritualidade.

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