Logo que nasceu, ganhou um ganso, essa menina sempre saberia o que era amor e proteção. Conforme a plumagem se enchia, suas pernas ficavam maiores e a permitiam correr pelos campos. Sempre junto com seu ganso amigo, fiel e protetor.
Menina espevitada, cheia de energia, dominava as colinas e subia em árvores, mas sempre ao lado de seu único amigo ganso. Mesmo quando virou mocinha e já olhava a chácara ao lado, percebendo os meninos que ali se chafurdavam em lamas, continuava sendo ela e seu amigo fiel ganso.
Era o amigo que a compreendia, que a curava de suas tristezas, que a escutava por horas e horas sem nenhum tipo de julgamento. Exatamente como os dias transcorriam, os dois cresciam e compartilhavam suas companhias. O ganso já havia sido aluno, cachorro, a bailarina, o soldado, o adversário de corrida e muitas e muitas vezes, o pai e a mãe dela.
Foi quando a vida adulta chegou, e os dias já não eram tão lindos e longos como antigamente. Agora se falava muito em crises, as paredes transpiravam brigas e preocupações e as economias estavam mais controladas. A quem recorrer quando a menina, agora moça, queria apenas contar sobre o rapaz da escola? Quem a iria escutar por horas e horas as queixas de que seu corpo não estava tão voluptuoso como os das outras meninas? Quem estava ali assistindo os novos pelos, sangue, dores e amores? Apenas seu amigo ganso.
Foi assim, em um dia nublado, cheio de indagações a serem confidenciadas a esse amigo, que a mocinha teve sua primeira grande ruptura com a vida. Ao chegar em sua chácara e procurar embaixo de cada móvel, na sombra de cada árvore e na plenitude das águas calmas, só encontrou o vazio. Seu melhor amigo já não estava mais ali.
Agora não havia mais ninguém. A vida lhe tirava sua única fonte de crença ou fé, lhe tirava seu único amor verdadeiro, seu companheiro ganso.
A moça se trancou em seu quarto e chorou por horas, por dias, por meses e por anos. Envelhecendo sozinha, desamparada, fraca, cheia de medos e rancores. Nada mais importava além do vazio de seu peito e sua frustração com a vida. E chorava, chorava, derramando rios de lágrimas naquele travesseiro que mal secava. E a partir de agora se tornou ele, o travesseiro, seu melhor amigo. Esse que era seu único conforto e confidente. Travesseiro esse, que era o único a compreendê-la e que se tornou seu diário, seu primeiro beijo, sua paixão, seu vilão, seu objeto de descarrego e muitas vezes seu pai e sua mãe. Era tão confortável que ela ainda não havia percebido, como era macio e cheiroso, recheado de plumagem de amor e esperança. Recheado de plumas que só um grande amigo poderia oferecer.
E quando as outras dores a assolaram e outras perdas foram necessárias, o travesseiro estava lá, desde o dia em que seus pais com lágrimas nos olhos venderam a carne para o chinês que os pagou com as três moedas que renderam um saco de sementes, que floresceram, vindo a se e tornar um grande cultivo de trigo, que tornou-se o sustento da família por anos, que ajudou a pagar a faculdade da menina, que se tornou uma bem sucedida agrônoma e que em um gesto de amor de seus pais, se transformou em um presente para a menina não perder o grande amor, o travesseiro, o ganso.
As armadilhas existem e existirão sempre. Mesmo na dor, mesmo na transformação, nunca estamos desamparados. Estamos sempre tão ligados aos nossos sofrimentos, que esquecemos muitas vezes dos sacrifícios de quem nos ama.
Óleo Essencial – gerânio
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